quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Uma vida inteira em uma única viagem


Um dia depois do trabalho eu já estava sentada no ônibus quando uma moça perguntou se podia sentar-se ao meu lado. Eu fiz que sim com a cabeça. Estava tão cansada que não queria puxar papo com ninguém. Mas a vida sempre nos surpreende... Antes mesmo do ônibus partir da rodoviária ela me perguntou se morava na cidade. Eu disse que trabalhava lá e morava na cidade vizinha. Pra mim a conversa morreria por ali mesmo.
Mas ela insistiu em continuar o papo. Quando me dei conta já fazia mais de 10 minutos que conversávamos. Parece que algumas pessoas conseguem nos cativar com apenas dois dedos de prosa e acho que foi isso que aconteceu com nós duas. Ela começou contando que sonhava em voltar a estudar, queria trabalhar, mas no momento estava impedida, pois sua mãe estava acamada. Era ela quem abrira mão de sua vida para cuidar da mãe, mas colocava isso de um jeito sereno, tranquilo. Não era um fardo fazer isso por sua mãe, pelo contrário, era uma forma de demonstrar o carinho e a gratidão que ela tinha pela pessoa mais importante do mundo. Enquanto ela contava toda história com uma leveza surpreendente, eu já estava com águas nos olhos. Italiana é assim mesmo, chora e ri com facilidade.
Entre riso e choro passamos os 40 minutos falando sobre os nossos medos, a nossa rotina, os nossos familiares. Percebi que ela precisava falar com alguém diferente das pessoas que conhecia. De repente me dei conta que eu também. Para quem não queria nem responder “sim, claro, que você pode se sentar ao meu lado”, até que eu tinha evoluído bastante.
Percebi que ela precisava contar tudo o que estava passando. A moça simplesmente abriu seu coração durante a viagem. E eu precisava escutar tudo aquilo, ver que o meu cansaço não era nada, que a minha vida sempre foi maravilhosa, pude estudar o que sempre sonhei e, recém-formada, já trabalhava na minha área.  
A moça precisou descer antes do que eu e foi quando nos demos conta que nem sabíamos o nome uma da outra. Ao invés de nos despedirmos, nos apresentamos. E essa viagem representou para mim a reflexão de uma vida inteira. Agradeço até hoje por ela ter escolhido sentar-se ao meu lado naquele dia.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Será que ele vira homem de noite?


Essa vontade de contar causos começou desde pequena. Sempre gostei de ler e tagarelar as histórias depois. Falava pelos cotovelos como dizem por aí. Um dos livros que me chamava atenção era sobre as lendas, ficava sozinha pensando na vitória régia, como a sereia vivia, como o boto cor-de-rosa podia ser um “peixão” e depois saía pela cidade seduzindo as mulheres. Coisas de criança que cria as imagens na cabeça e já as transforma num filminho.
Passado muitos anos desses meus pensamentos infantis, finalmente tive a oportunidade de ir para Amazônia. E a curiosidade foi tomada pela descoberta. Aquilo que eu lia nos livros estava bem na minha frente. Mas o que mais me intrigou foi, ao ir à cidadezinha onde os turistas podem nadar com os botos, a maneira como as mulheres reagiam quando perguntava o exato local onde os animais ficavam. Elas me olhavam com uma cara de interrogação, parecia que eu estava perguntando de alienígenas, ou estava falando um palavrão de outro mundo. Passava alguns segundos e como se elas estivessem recuperadas, repetiam a pergunta “os botos? Ah, eles ficam lá no final da rua tal”. Pude ver essa reação em umas três ou quatro mulheres. Na hora a minha dúvida de criança voltou à tona, será que eles viram homem de noite? Talvez a lenda tenha algum fundinho de verdade. Vai saber...
Agora o que eu tenho certeza mesmo é que a recompensa do longo passeio, com direito a balsa cheia de caminhões, calor úmido e estrada de terra no meio da floresta amazônica, veio logo que conheci o lendário boto cor-de-rosa. Finalmente estive perto de uma lenda viva, um animal simpático que encanta todos os turistas e com isso acaba faturando quilos de peixes por dia.


terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Amigas imaginárias


Durante praticamente um ano eu tive duas "amigas imaginárias” nas minhas viagens de ida ao trabalho. Essa “amizade” não era nenhum devaneio de criança, elas eram reais, uma loira e a outra morena, só não sabiam que eram minhas amigas.
Eu torcia para encontrá-las, ou melhor, para que as duas subissem no mesmo ônibus que eu estava. As duas eram animadas, cheias de histórias para contar. Todo dia elas tinham alguma novidade uma para outra. Achava isso divertido, talvez eu quisesse alguém para me fazer companhia diariamente. Talvez por isso me dei a liberdade de fazer parte daquela amizade sem que elas nunca soubessem nem o meu nome.
As duas eram universitárias, as duas moravam na mesma cidade e trabalhavam em outra, como eu. A loira saiu da cidade onde morava com os pais para estudar e a sua irmã também. Ela e a irmã dividiam um apartamento, e isso rendia sempre algum causo para ela contar a sua amiga.
Pelo que via ela e a irmã se davam bem, mas como irmãs que se prezam tinham suas diferenças. A irmã sempre saía, era a mais baladeira e vivia com o coração partido. Ela gostava mais de viajar, com o trabalho e a universidade não tinha muito pique para sair no meio de semana. A morena também falava de sua vida, ainda morava com os pais, não gostava muito do trabalho porque pelo que eu entendia não era aquilo que ela queria fazer. Também não era da balada mesmo porque precisava respeitar as regras da casa dos pais e isso significava não sair durante a semana por causa do estágio e da faculdade.
Um dia as duas estavam mais animadas do que nunca. E olha que eu já tinha ouvido tantas histórias boas delas, viagens, paqueras, reclamações dos professores. Nesse dia me dei conta que talvez nossa amizade estivesse no fim. Elas estavam felizes porque naquela semana ia ter uma festa na universidade indicando que estavam se formando. Ou seja, se nem elas sabiam se seriam efetivadas no estágio, como eu saberia se continuaríamos nos encontrando nas viagens matinais. Quando elas se despediram na hora da morena descer, que deixava o ônibus antes de nós, eu quase gritei “boa sorte”. Tive o mesmo ímpeto quando a loira se foi. Mas resolvi deixar nossa amizade do mesmo jeito, imaginária.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Um pedacinho do Brasil


Nas andanças por aí tento conhecer um pouquinho mais de nossa história, de nossa cultura, e quando percebo já estou registrando o momento que me chamou atenção. Uma vez ao chegar cedo numa praia consegui essa imagem que traz muito do que é o nosso Brasil.
Enquanto vivemos na correria, brigando contra o relógio que parece estar cada dia mais rápido, sem saber o que fazer quando não temos internet, tem gente que espera a hora certa para tirar a rede do mar. Um meio de vida que passa de pai para filho, que garante o sustento da família e a alimentação da vila toda.

domingo, 16 de janeiro de 2011

Melhor do que novela


Ao sentar no ônibus - o que já significa uma viagem tranquila, pois não vou em pé - começo a planejar o meu dia. O trajeto que dura de 30 a 40 minutos dependendo do trânsito me possibilita esses pensamentos. Mas quando percebo fui interrompida mais uma vez por alguém contando alguma história ao passageiro do lado. Observando a conversa percebo se os dois já se conhecem ou se estão ali começando a amizade que durará a viagem de cada um.
Hoje em especial percebo que os dois já se conheciam. Os dois trabalham juntos e estão ali falando de casa, do trabalho. Até que o celular de um deles toca. Desculpa, mas não tive como não escutar quando ele falou que então desceria antes do trabalho para os dois se encontrarem. A minha curiosidade é despertada, isso significa que minha audição também, ou seja, continuo escutando o papo dele e seu colega após o término da ligação. Ele na maior naturalidade comenta com o colega que quem ligara foi fulana de tal e que o caso deles não estava nada bem. Eu já começo a olhar melhor aos passageiros que estão na minha diagonal, e sim, o dono do caso tem aliança. Logo, a fulana era a amante. Minha teoria é confirmada no diálogo seguinte. “Sabe quando a gente começou era gostoso, essa história do proibido. Mas agora ela quer me ver todo dia, me controla mais do que minha mulher. Desse jeito não dá e o pior ainda fica me pressionando para entrar mais tarde no trabalho que ela quer me ver antes. Acho que vou terminar hoje, o problema é se ela resolve fazer escândalo”. O colega só diz um sonoro é...
Nisso ele se arruma e aperta a campainha para descer no ponto combinado. Não é que tem mesmo um carro lá e uma mulher esperando-o.  Fico boquiaberta e torço para amanhã encontrá-los e saber se ele teve ou não coragem de terminar. Ao mesmo tempo penso como pode sair de casa para o trabalho e antes das 8h já encontrar sua amante, e a mulher dele então que no final do dia estará esperando-o ingenuamente com o jantar.  E depois me dizem que novela distrai, vai dizer se andar de ônibus não é um enredo de verdade.

A estante é nossa...


Apaixonada por boas histórias faz tempo que ensaio criar um blog para compartilhar o que ouvi até hoje, ou quem sabe o que vivi também. Amadurecendo a ideia e procurando um nome ao blog que estivesse disponível decidi por Estantes da Vida. Gostei da escolha já que coleciono várias prateleiras de livros, fotos e uma vontade imensa em escrever os causos que escutava no trajeto casa-trabalho, os comentários em banheiros da balada, entre outras pérolas acumuladas nesses 30 anos. Foi então que resolvi dividir tudo isso em uma estante on line para quem quiser pegar qualquer uma das histórias que começarei contar.
Amigos e família fiquem tranquilos que não vou expor ninguém. As histórias serão sinceras, mas os personagens na sua maior parte são desconhecidos. Sempre atenta e observadora guardei muito do que ouvi na rua para poder fazer minhas estantes.
Hoje em dia com tantas pessoas circulando pelas ruas fica difícil não prestar atenção no que cada um tem para contar. Tem gente que coloca o MP3 e simplesmente fica em seu mundo, eu também tentava fazer isso todo dia, mas tinha hora que achava mais divertido escutar a conversa das pessoas no banco de trás do ônibus do que a música que eu tinha escolhido, já que uma não eliminava a outra.
OK, eu também falo bastante. Eu também converso no ônibus e por isso tenho certeza que alguém também já ouviu minhas histórias. Nesse vai-e-vem de pessoas eu considero importante você ter o que contar, significa que sua vida está acontecendo e não esperando por acontecer. Claro que muitas bobagens são ditas, muitas também são escritas, cabe cada um escolher se quer participar disso, se realmente quer ler aquilo...
Vou tentar esse novo desafio de manter o blog, de abastecê-lo com as histórias que tenho para contar.