quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Ex-jornalista, existe?



- Você mudou de profissão?
- Eu deixei de exercer o jornalismo como profissão e resolvi realizar um sonho antigo, o de me tornar professora. Fiz magistério, já trabalhei como monitora de acampamento e agora voltei para universidade. É uma delícia estudar aos 35 anos com toda bagagem adquirida, inclusive depois de ter feito tantas matérias sobre educação e ter acompanhado projetos interessantes de perto.
- E você não sente saudade do frio na barriga da pauta de cada dia?
- Adorava sentir esse frio na barriga. Gostava muito de ir para rua e conhecer a realidade das pessoas. Muitas vezes já tinha o texto pronto na cabeça e uma frase de alguém permitia que eu recriasse tudo. Ouvir as pessoas e me transportar ao mundo delas sempre me encantaram no jornalismo. Tenho várias histórias guardadas com carinho no coração. Escritas e publicadas são incontáveis, mas realmente algumas mudaram o meu modo de ver a vida e enxergar o outro. Parece bobagem falar isso hoje em dia onde tudo acontece dentro das redações enxutas e com tempo escasso para grandes pesquisas, mas a pauta sempre esteve e estará na rua. Pode ser na sua rua, na do vizinho ou na do outro lado do mundo. Mas a pauta está onde vivem as pessoas, onde é possível escutar e relatar a vida de quem tem muito a contar. As pessoas têm direito de reclamar, a imprensa de divulgar e cobrar uma solução. Pela minha experiência as pessoas têm muito mais coisa para contar e ensinar do que reclamar. Acredito que essa é uma falha estrutural da nossa imprensa. Com o avanço da tecnologia a sensação que fica é que todo mundo só quer reclamar. Penso que poderia ser ao contrário – destaque aos bons exemplos e um espaço de cobranças. O Brasil é rico em diversidade cultural e pessoas que na história da vida superaram obstáculos. São tantos relatos de superação que talvez nenhum CEO tenha essa habilidade em vencer com tão pouco recurso como muitos brasileiros venceram. Gosto de citar sempre a Eliane Brum. Uma jornalista que não deixou de exercer a profissão. Busca nuances diferentes para o que é martelado diariamente. Enxerga o ser humano com suas riquezas e mazelas, nas suas pequenas conquistas ou na superação de uma vida toda.
Voltando a sua pergunta. Não sinto mais essa vontade de ter esse tipo de adrenalina diária. Fui muito feliz durante os 15 anos em que me dediquei ao jornalismo, mas um dia eu percebi que precisava mais. Eu me dei conta que meus sonhos iam além da escrita e das pautas. A minha inquietação era grande e fui buscar no meu passado a minha alegria em ensinar e ajudar na travessia do conhecimento. Hoje percebo que para me tornar a professora que eu desejo o jornalismo foi fundamental, porque me permitiu conhecer um mundo distante do que era o meu. Eu consegui me conectar com a realidade de inúmeras pessoas o que me fez entender a importância de vivenciar e conhecer o mundo do aluno para ensinar. O jornalismo me transformou e serei eternamente grata a cada pauta e cada pessoa que entrevistei, observei, fotografei e trabalhei.
- E quando perguntam a sua profissão, o que você responde?
Essa pergunta é a que eu não queria responder. Eu ainda estou no processo de transição. Já sei que não quero mais trabalhar como jornalista, mas ainda não consigo responder estudante de Pedagogia. Talvez precise ainda de mais alguns dias ou meses para desapegar totalmente. Por isso depois de tanto brincar que sou ex-jornalista, acredito que uma vez jornalista sempre jornalista -- mesmo que essa não seja mais a profissão que trará o meu sustento. Com certeza a inquietação é resquício das perguntas que sempre gostei de fazer, a mim mesma e aos outros em cada história que ia contar.


A quem interessar -- conversa realizada mentalmente durante uma das minhas caminhadas matinais.

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