domingo, 20 de dezembro de 2015

Um reencontro especial



De repente o olhar dela estava distante, parecia que a alma não habitava mais aquele corpo. As ações eram quase que mecânicas. O sorriso não saía dos lábios porque esta era uma característica peculiar dela desde criança. O fardo estava pesado, as costas pareciam carregar o mundo. E foi assim com a alma fora do corpo que ela conseguiu se observar.
Ela percebeu que suas ações pareciam desconexas. A sua vida estava indo para um caminho diferente do que esperava e os seus sonhos pareciam confusos com desejos. Mas sonho não é um desejo? Para ela não. Desejo era algo mais fácil de ser alcançado e mudava conforme a vida caminhava. Embora os desejos de ser uma pessoa melhor e ser feliz sempre estiveram presentes. Para ela, o sonho sempre significou um projeto de vida. O sonho era a realização plena e a sensação de estar viva. O sonho não mudava conforme o clima, mas a trazia para um mundo melhor e com mais fé.
Ao se distanciar um pouco dos seus pensamentos, ela olhou para o lado e levou um susto. Quem era aquela pessoa sentada no sofá pensando? Onde estavam os sonhos daquela menina que se tornou mulher? E ela se deu conta que o seu cansaço era maior do que o normal porque ela precisava de muito mais energia para manter-se nas funções que a vida exigia do que as que ela de fato gostaria.
Ela não estava infeliz, apenas perdida. Ela não estava arrependida dos caminhos escolhidos até então, porém sabia que tinha chegado o momento de mudar a rota e buscar outro destino. Alguma coisa dentro dela dizia que era preciso marcar um reencontro. Um reencontro com quem?-- logo ela se indagou. Com o passar do tempo, percebeu que o reencontro era com ela mesma, com os seus sonhos e com a sua trajetória. Não foi uma tarefa fácil decidir qual caminho seguir, mas depois que buscou dentro de si o que a deixaria feliz no presente e no futuro a missão foi concluída. Embora deixar uma carreira consolidada pareça uma árdua decisão para ela isso foi natural. Natural como trocar de roupa ou escovar o dente? Sim, ela sabia que aquela roupa era linda e a fazia feliz, mas já estava gasta com o tempo. E por que essa história de escovar o dente? Desde criança você aprende que escovar o dente é essencial para sua saúde bucal e para quem quer continuar sorrir para vida não existe algo mais natural do que essa ação diária. Ela sabia que sua decisão teria um preço financeiro, um preço social e um preço interno em como trabalhar tudo isso sem deixar que as escolhas continuassem no processo natural. Ás vezes, a nossa mente trabalha meio na contramão para nos testar. A mesma mente, que tomou todas as decisões e agiu naturalmente a elas, consegue promover questionamentos internos inimagináveis. Nesses dias de auto sabotagem ela algumas vezes chorou, outras silenciou, mas sempre rezou e jamais perdeu a fé de promover o tão sonhado reencontro com os seus sonhos e a sua paz interior.
De repente ela olhou aquela moça sentada pensando e se reconheceu. Ela sorriu para ela, deu a mão e disse – você não está sozinha. Eu estou aqui para me reencontrar com você e buscar um novo caminho. Não precisa mais brigar com sua alma, ela está aqui prontinha para encarar os novos desafios.


quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Ex-jornalista, existe?



- Você mudou de profissão?
- Eu deixei de exercer o jornalismo como profissão e resolvi realizar um sonho antigo, o de me tornar professora. Fiz magistério, já trabalhei como monitora de acampamento e agora voltei para universidade. É uma delícia estudar aos 35 anos com toda bagagem adquirida, inclusive depois de ter feito tantas matérias sobre educação e ter acompanhado projetos interessantes de perto.
- E você não sente saudade do frio na barriga da pauta de cada dia?
- Adorava sentir esse frio na barriga. Gostava muito de ir para rua e conhecer a realidade das pessoas. Muitas vezes já tinha o texto pronto na cabeça e uma frase de alguém permitia que eu recriasse tudo. Ouvir as pessoas e me transportar ao mundo delas sempre me encantaram no jornalismo. Tenho várias histórias guardadas com carinho no coração. Escritas e publicadas são incontáveis, mas realmente algumas mudaram o meu modo de ver a vida e enxergar o outro. Parece bobagem falar isso hoje em dia onde tudo acontece dentro das redações enxutas e com tempo escasso para grandes pesquisas, mas a pauta sempre esteve e estará na rua. Pode ser na sua rua, na do vizinho ou na do outro lado do mundo. Mas a pauta está onde vivem as pessoas, onde é possível escutar e relatar a vida de quem tem muito a contar. As pessoas têm direito de reclamar, a imprensa de divulgar e cobrar uma solução. Pela minha experiência as pessoas têm muito mais coisa para contar e ensinar do que reclamar. Acredito que essa é uma falha estrutural da nossa imprensa. Com o avanço da tecnologia a sensação que fica é que todo mundo só quer reclamar. Penso que poderia ser ao contrário – destaque aos bons exemplos e um espaço de cobranças. O Brasil é rico em diversidade cultural e pessoas que na história da vida superaram obstáculos. São tantos relatos de superação que talvez nenhum CEO tenha essa habilidade em vencer com tão pouco recurso como muitos brasileiros venceram. Gosto de citar sempre a Eliane Brum. Uma jornalista que não deixou de exercer a profissão. Busca nuances diferentes para o que é martelado diariamente. Enxerga o ser humano com suas riquezas e mazelas, nas suas pequenas conquistas ou na superação de uma vida toda.
Voltando a sua pergunta. Não sinto mais essa vontade de ter esse tipo de adrenalina diária. Fui muito feliz durante os 15 anos em que me dediquei ao jornalismo, mas um dia eu percebi que precisava mais. Eu me dei conta que meus sonhos iam além da escrita e das pautas. A minha inquietação era grande e fui buscar no meu passado a minha alegria em ensinar e ajudar na travessia do conhecimento. Hoje percebo que para me tornar a professora que eu desejo o jornalismo foi fundamental, porque me permitiu conhecer um mundo distante do que era o meu. Eu consegui me conectar com a realidade de inúmeras pessoas o que me fez entender a importância de vivenciar e conhecer o mundo do aluno para ensinar. O jornalismo me transformou e serei eternamente grata a cada pauta e cada pessoa que entrevistei, observei, fotografei e trabalhei.
- E quando perguntam a sua profissão, o que você responde?
Essa pergunta é a que eu não queria responder. Eu ainda estou no processo de transição. Já sei que não quero mais trabalhar como jornalista, mas ainda não consigo responder estudante de Pedagogia. Talvez precise ainda de mais alguns dias ou meses para desapegar totalmente. Por isso depois de tanto brincar que sou ex-jornalista, acredito que uma vez jornalista sempre jornalista -- mesmo que essa não seja mais a profissão que trará o meu sustento. Com certeza a inquietação é resquício das perguntas que sempre gostei de fazer, a mim mesma e aos outros em cada história que ia contar.


A quem interessar -- conversa realizada mentalmente durante uma das minhas caminhadas matinais.